Sexo: prazer ou obrigação?
Reflita se sua vida sexual é satisfatória ou precisa de alguns ajustes
Por Antonieta Mazon
Há um discurso em voga de que muitas mulheres fazem sexo por obrigação. Isso foi reforçado pela recente pesquisa WomenTALK, divulgada pela organização americana Healthy Women, especializada em saúde para as mulheres. O estudo revelou que as mulheres muitas vezes não priorizam o sexo e até costumam fazê-lo por obrigação. No entanto, tanto os homens quanto as mulheres apresentam vários motivos para justificar suas atividades sexuais pouco prazerosas.
Um olhar mais atento para a vida sexual do casal pode surpreender a ambos, que possuem ritmos e tempos diferentes, carícias e fantasias muito diversas. Mas muitas vezes o risco de expor essas diferenças pode ser alto demais e surgem pensamentos como “Não queira ser diferente!”, “Para que criar problemas? Vou levando…” ou “É melhor não falar sobre isso”.
A justificativa para muitos casais que se acostumaram com este modo de vida é de que o objetivo maior é o amor. Eles pensam que são tantos anos de convívio, que não vale a pena levantar qualquer discussão a respeito da vida sexual insatisfatória. No entanto, isso pode terminar em complicações maiores, e até, quem sabe, em separação. Este tipo de solução não costuma resolver o problema. Afinal, mesmo se a pessoa investir em outro relacionamento, a dificuldade em encontrar afinidade sexual pode persistir.
Assim, o casal vai construindo uma cadeia infinita de meias verdades e justificativas para seus diferentes desejos e fantasias, a tal ponto que sua vida sexual acaba se resumindo em desencontros de experiências solitárias a dois. Desta perspectiva os casais tendem a acomodar-se aos ritmos diferentes e a ceder ao sexo solícito do parceiro, muito mais por obrigação do que por desejo. Ou, ainda, muito mais para dar prazer ao companheiro do que satisfazer seus próprios desejos.
Imaginar conto de fadas gera decepção
Esse é um caminho áspero que provavelmente começou numa fantasia ingênua a respeito da vida sexual. Cedo ou tarde se descobre que o amante ou a amante capaz de levar você ao paraíso com um sutil e terno beijo só existe nos contos de fada. A realidade, inclusive a do grande amor, é mais dura e complexa.
Em muitos casos, a bruxa chamada rotina transforma a cama em um terreno minado. E o que é mais grave: ao casal se unem o vilão do abandono e a vilã da obrigação. Esta última vem sempre acompanhada da insistência do parceiro, ao qual o outro cede normalmente com falta de interesse sexual e, por isso, com uma boa dose de culpa também. Sem dúvida, essa forma “obrigatória” de fazer amor não contribui em nada para recuperar ou aumentar o desejo sexual pelo parceiro. Pelo contrário, a culpa é um inibidor sexual poderoso e o sexo “forçado”, mesmo que não explicitamente, reforçará ainda mais a rejeição momentânea pelo parceiro, em detrimento até mesmo da satisfação própria.
Conversar é preciso
Se o casal não alimentar adequadamente o desejo ao longo do tempo, principalmente com o diálogo franco sobre as preferências sexuais e o erotismo conveniente a ambos, se não der espaço e propiciar tempo para conhecer-se mutuamente e descobrir-se sexualmente, o momento do sexo pode converter-se rapidamente em uma tarefa caseira a mais, em outra obrigação como fazer compras, limpar a casa ou barbear-se. Em outras palavras, transforma-se em um trabalho indispensável – afinal, é “obrigação” do casal, apoiados no instinto de sobrevivência da espécie – mas, sinceramente, entediante e solitário.
É preciso levar em conta que o prazer sexual pode ser entendido como uma resposta afetiva decorrente das dimensões positivas e negativas do relacionamento sexual entre os parceiros. Experiências positivas nutrem a intimidade e a conexão necessárias para uma vida sexual plena. Neste caso, o fator repetição pode ser um empecilho para novas descobertas. O tempo de conhecer-se e conhecer melhor o outro é um processo criativo e, por isso, deve ser um assunto permanente que sempre pode ir mais longe, se o casal estiver disposto a dedicar-lhe atenção suficiente.
Além disso, o prazer sexual também está associado a uma série de variáveis importantes, incluindo a satisfação com o relacionamento em geral e com a autoestima, sendo, portanto um dos mais fortes indicadores de estabilidade conjugal para homens e mulheres. Assim, não é surpreendente que o prazer sexual seja considerado um componente importante de bem-estar para a maioria das pessoas e que até inconscientemente esteja na raiz de muitas separações. E, como dissemos, esta paradoxal consideração pode ser a causa do sexo pela obrigação “marital”, como uma maneira de proporcionar prazer ao parceiro a quem se tem amor.
“Ah, o amor…” Nem mesmo as máximas populares como “o amor move montanhas” se aplicam ao sexo, que como em outras dimensões da vida, indicam que o espontâneo é pouco e insuficiente. Se o casal quer manter um bom relacionamento sexual, tem de dedicar-se a isso, com conhecimento íntimo do parceiro, busca e persistência.
Não deixe o sexo cair na rotina
O início de uma relação é naturalmente marcado por uma forte atração, uma explosão sensual e erótica que mobiliza todo um sistema hormonal capaz de compensar as dificuldades de ajuste sexual do casal. Muitas vezes, a emoção afetiva e a novidade da paixão substituem o prazer propriamente físico e permitem que a fantasia se mantenha. Mas, à medida que a relação se estabiliza, é preciso recriar essa paixão conscientemente.
Ou seja, os problemas de desigualdade de desejo sexual, em geral, não se manifestam nas primeiras etapas da relação de um casal. Durante a paquera e o início de uma vida em comum, os amantes sentem impulsos sexuais muito similares. Impera neste período o coquetel químico das endorfinas e dopaminas, hormônios capazes de embriagar a emoção de cada encontro. Além disso, a ânsia de gerar uma relação estável promove o esforço de cada um para ser sensível e receptivo às necessidades e desejos do outro. O romantismo e a sensualidade abraçam a relação, prescindindo de qualquer diferença em termos de desejos sexuais.
Uma vez passada a lua-de-mel, e com ela a novidade da paixão, os parceiros começam a centrar-se mais em seus próprios desejos e na satisfação sexual propriamente dita. É quando há risco de cair facilmente na rotina, e o que é mais sério, no sexo como uma tarefa a mais na relação. Desde então, podem-se agravar as desigualdades normais dos desejos de cada parceiro, até que se atinjam situações que conduzem aos conflitos para além da cama, às crises profundas e às separações definitivas.
Sexo sem monotonia
Muitas das diferenças de desejo sexual são, em sua origem, problemas simples e fáceis de encarar. Infelizmente, na maioria dos casos, o casal não enfrenta estas dificuldades a tempo, nem de maneira adequada, transformando-se, assim, em problemas mais complexos, que irradiam energias negativas, contaminando a relação como um todo.
Com certeza, tal como ocorre com a complexidade do desejo sexual de cada um, sempre protegido pelo véu que guarda as experiências de vida, eleger a ocasião ideal e propícia para o casal fazer sexo não é tarefa fácil. Um dos caminhos neste sentido pode ser a abertura em admitir que é preciso estar alerta e disposto a compreender e respeitar a sensibilidade do parceiro. Muitas vezes, o que é entendido como desinteresse sexual pode ser a revelação de uma reação inconsciente à indiferença ou incapacidade do parceiro de captar e reconhecer necessidades do outro.
O sexo e a sexualidade humana não devem ser vistos como uma atividade ou dimensão isolada, fora do contexto de vida do casal e das preocupações cotidianas que afetam a ambos. Caso contrário, é muito provável que o desejo sexual se contamine de mal-entendidos e diferenças, tornando-se, realmente, mais uma tarefa a ser cumprida.
Para que o casal consiga desenvolver uma vida sexual prazerosa é necessário que os parceiros assumam a realidade de cada um, detectando os tempos adequados para cada um. Também devem ser sensíveis aos fatores externos que podem acelerar ou frear os impulsos sexuais – dimensão familiar, social, profissional, cultural – e estejam atentos à relação de casal em todas as suas dimensões, buscando harmonizá-las.
Deste modo, os amantes seguem sincronizando suas vidas em um único processo, cada vez mais maduro, onde ora estão perfeitamente harmonizados, ora um dos dois acaba cedendo. Porém conscientemente a um desejo maior, potencialmente mais prazeroso, que descobrem ser de ambos, e que só pode ser percebido após experimentado.
Enfim, monogamia não deve ser confundida como monotonia! Para evitar esta confusão, é indispensável que os parceiros procurem desenvolver tanto habilidades de comunicação sobre os desejos de ambos, como as melhores e mais adequadas práticas sexuais para o estilo próprio do casal. Ambos os parceiros têm personalidades sexuais a serem necessariamente decifradas, para que o casal em si gere uma relação de vida sexual única, sublime, sobre a qual influenciam todas as variáveis físicas, psicológicas e emocionais de cada um.
Química, pedagoga, mestre em Educação, pós-graduada em Sexualidade e Psicologia, e orientadora sexual. Faz palestras e escreve artigos sobre educação, família e sexualidade.
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