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Como se constrói o sexo padrão de qualidade?

Por que nos é imposto um sexo padrão que devemos seguir? Como anda sua sexualidade?

Atualizado em

Adoro fazer parte de grupos de mulheres. Sejam eles virtuais ou presenciais, descobri que quando há sensação de segurança, surge coragem de exposição, troca e acolhimento, seguidos de fortalecimento e mudança.

Até então, nunca vi uma crítica ofensiva nestes espaços. A tal sororidade emana. Ainda assim, percebo que, por vezes, quando uma mulher consegue se apresentar com uma característica incomum, ao perceber que é a única, logo se cala, mesmo que as demais apoiem e aplaudam sua individualidade.

Em algum momento, costuma surgir mais uma ou outra com a mesma questão e aí sim surgem alívios e novos diálogos. A questão é: mais do que apoiadas, não queremos estar sós.

Primeira conclusão? O padrão silencia as individualidades.

Quando se trata de sexo, uma pergunta que já vi em diferentes grupos foi: Quantas vezes por semana você faz com seu marido (ou relação fixa afim)?

As que acham que têm uma média aceitável logo se expõem sem inibição, felizes e confiantes. Mesmo aquelas que acham que fazem demais a ponto de atrapalhar suas vidas, falam de forma divertida justificando sem constrangimento sua alta libido.

É um tom de escrita diferente das que acham que estão abaixo da média, que é geralmente frustrado, preocupado e/ou triste.

Em um momento perguntei a uma delas: “Você trocaria 3-4 rapidinhas na semana por uma quinzenal dos céus que se prolongue do almoço ao jantar?” Acho que deixei o grupo reflexivo. Segunda conclusão: o sexo padrão de qualidade se importa com quantidade. Tem que ser muito, mesmo que nem seja tão bom assim, ou mesmo que seja tanto a ponto de ser disfuncional.

Por que continuamos fazendo isso com nós mesmas e com os outros? Por que ainda se buscam perguntas como essas como parâmetro de auto aceitação? Não somos iguais, já sabemos disso, mas continuamos buscando seguir padrões. Pra quê?

Quando nos baseamos em um modelo a ser seguido, seja de performance, de prazer ou do que for, colocamos foco no que dizem que tem que ser feito e não no que sentimos que deve ser feito.

É assim quando tentamos nos adequar ao manequim 38 quando o corpo — mesmo saudável — pede no mínimo 40. É assim também quando o corpo diz que precisa descansar, mas nos obrigamos a colocar o despertador pra tal hora da manhã acordar. Continuamos não aceitando nossa individualidade.

Não sou contra padrões. Padrões de procedimentos para manter a qualidade de uma refeição, por exemplo, garantem segurança e permanência de sabor. No entanto, quando se trata de enquadrar vidas e comportamentos, surgem as sutis e inviabilizadas violências ao ser.

Descaracterizar a si para pertencer é violentar a si mesma. Assim, o padrão é o arqui-inimigo da individualidade. Ele tenta colocar como único o que é apenas uma possibilidade.

Sexo Padrão de Qualidade?

Os especialistas em sexo e intimidade Louise Mazanti e Mike Lousada falam da influência da medicina e da mídia pornográfica: “As forças do comercialismo fizeram da sexualidade um commodity, algo para ser vendido e comprado”.

Sobre a mídia, eles explicam que somos repetidamente expostos a sutis e invasivas mensagens sobre sexualidade.

Se, por um lado, isso é benéfico por tornar a sexualidade mais acessível e aceitável, por outro traz um fardo, pois com normas de cultura sexual em nossa mente, criamos uma perspectiva de sexo que limita nossa habilidade de aproveitar nossa própria experiência. Ou, ainda, de ter desejos que poderiam ser considerados não convencionais, causando grande ansiedade e descontentamento sexual.

Mazzanti e Lousada pontuam também que a medicina faz grandes invasões na nossa sexualidade, determinando as individualidades que serão tratadas como patologias e disfunções, levando-nos a acreditar que precisamos de curas, seja com fármacos, remédios ou cosméticos.

Acrescentam ainda que esse Padrão Sexo de Qualidade se expressa de várias formas. Temos alguns exemplos:

A vulva padrão

A vulva padrão não tem cheiro de mulher, mas de sabonete íntimo. Quanto às formas, seguem o modelo de filmes pornô. Os pelos perdem a função de proteção e ganham função estética com modelos de corte determinados nos menus das casas de depilação, como cavado ou super cavado, moicano, etc.

A etiqueta é que os pelos não devem ser “selvagens”. Os pelos não devem ser brancos. Se não aceitamos o grisalho na cabeça, imagina lá embaixo?

A vulva padrão é racista. Como gritaram alguns brasileiros na copa da Rússia ela tem que ser “Buceta rosa! Buceta rosa!”. Ainda, como a pesquisadora e escritora Peggy Orestein explica, nessa ditadura estética os grandes lábios tem que cobrir os pequenos lábios.

É o que nos Estados Unidos se chama de “Barbie”. Sim, Barbie, aquela boneca de plástico que não por acaso não tem nada entre as pernas.

Enquanto instituições internacionais de direitos humanos lutam contra a clitoridectomia (violento ritual de passagem que inclui retirada total ou parcial de clitóris e pequenos lábios da mulher) em países da África, o Brasil é líder no número de cirurgias de “correção” estética íntima de acordo com a Sociedade Internacional de Cirurgiões Plásticos Estéticos (ISAPS).

A mais procurada é a labioplastia ou ninfoplastia, para redução dos pequenos lábios. Ok, sem essa de usar termos cientifico-goumet: O Sexo Padrão de Qualidade está nos levando à mutilação estética das genitálias.

E assim nos tornamos “vulvas Ford Preto”, produzidas em escala, idênticas, não naturais e cada vez mais descartáveis, afinal, se essa já não serve, consegue-se logo outra igual.

Não vou conseguir deixar os apelos pro final do texto, então: Queridas deusas poderosas mulheres, amem-se como são! Suas vulvas são únicas, são como impressões digitais. Não têm igual.

Se precisam de provas para isso, conheçam o Gynodiversity, projeto que visa documentar a diversidade da genitália feminina em nível mundial. Sugiro também a maravilhosa exposição “The Great Wall of Vaginas” (A grande parede de vaginas) do artista plástico Jamie McCartney, que convidou cerca de 400 mulheres para fazer moldes de gesso de suas vulvas com o objetivo de valorizar essa riqueza feminina e combater práticas como as de mutilação estética.

Performance padrão

O que é o um “sexo bom” dentro desse padrão? É aquele cujas características estão incluídas num check-list pré-roteirizado.

Não precisa escolher todos itens da lista, mas a sua liberdade sexual se limita ao que está na lista.

Assim, se você estiver com dúvidas da sua “qualidade” sexual, basta usar o checklist e contar os pontinhos no final do quizz: falou algumas frases sedutoras? Deu beijo na boca de língua? Antes de chegar nas genitais dedicou pelo menos uns 5 minutinhos a outras partes do corpo? Houve masturbação? Aconteceu sexo oral? Foi possível ouvir gemidos? Sim? Então fique feliz. A performance é considerada boa.

Claro que você pode ganhar estrelinhas extras se atingiu o orgasmo, se sentiu prazer. Mais estrelas ainda se é uma mulher que comprou lingerie nova ou fez uma dança sensual e no caso do homem se trouxe flores ou elogiou as sombrancelhas récem feitas. Então, se seguiu essa mecânica, os padrões sexuais de qualidade decidem que você deve responder “sim” à clássica pergunta número 01 pós-sexo: Foi bom pra você?

Mas não é bem isso que as pesquisas têm mostrado. Como pontuaram Mazzanti e Lousada sobre pornografia, por exemplo (e essa inclui a soft porn com os sutis erotismos dos comerciais de TV, por exemplo), ela “eleva nosso nível de expectativa, tanto de nós mesmos quanto de nossos parceiros a níveis irrealistas”. E isso leva à frustração. Não é incomum o depoimento de pessoas que na preocupação de ter uma boa performance perdem a experiência das sensações.

Prazer padrão

Daí a segunda pergunta clássica pós sexo: E aí, gozou?

Na cultura ocidental, também com estimulo da indústria pornô e áreas de saúde, há uma redução da ideia do prazer sexual ao orgasmo. A questão é que este pode até ser um indício, mas não é garantia de sexo prazeroso, de satisfação, plenitude.

Então, vamos separar as coisas: é possível ter uma relação extremamente prazerosa sem orgasmo. É também possível que haja um orgasmo meramente fisiológico sem satisfação.

A questão é que se precisava estabelecer um padrão de prazer, e talvez por uma questão prática, objetiva ou/e comercial foi decidido reduzir o prazer ao orgasmo.

Isso facilita uma simulação visual para o marketing comercial, bem como o isolamento de um momento de comportamento para estudo científico.

É preciso lembrar da visão freudiana de que o orgasmo clitoriano representaria imaturidade sexual e a mulher deveria ter orgasmo apenas pela vagina, dependendo assim de um homem para seguir o padrão psicanalítico de prazer. O padrão limita a ideia de prazer.

No dia a dia, muitas seguem reproduzindo isto. Quando escuto pessoas conversando sobre sexo, o foco é a performance. Quando se fala de prazer, é o orgasmo.

Em uma relação sexual podemos sentir infinidades de sensações. Não estou pedindo o cartesianismo de dar nome a tudo que se sente, mas nossa incapacidade de expressar essas sensações, seja por um vocabulário reduzido, seja por não ser o foco de nossa atenção, merece reflexão.

Toda essa infinidade sensitiva fica reduzida ao que se chama de preliminar, ou seja, nem é considerado sexo, é apenas um meio para chegar ao grand finale modelo.

Ainda em 2021, muitas de nós ainda não disseram: chega! Então é preciso continuar repetindo: primeiro, o prazer sexual não precisa ser entre duas pessoas. Segundo, se assim o for não precisa ser reduzido aos órgãos reprodutivos.

Considero que o maior órgão sexual do corpo humano é a pele e o mais poderoso é o cérebro. E para quem quer visitar outras possibilidade de sexualidade fora do padrão, indico o Tantra.

Tantra é um conjunto de práticas e crenças que traz uma visão sistêmica do universo, dos seres biológicos e outros sistemas. Diferente do que muitos pensam não se reduz ao sexo. Expande a ideia de sexualidade a meditar, comer, etc. Em relação ao orgasmo, para o tantra este não é um fim, e sim mais uma possibilidade no universo da sexualidade.

Gente, sem mais delongas, acho que já deu para concluir o que no fundo toda mulher já sabe, mas não diz: sexo padrão leva à frustração.

Fico imaginando uma pessoa que está se sentindo sexualmente satisfeita e aí num papo entre amigos começa a fazer comparações e no final da noite chega à conclusão que no seu check list faltam vários itens do padrão. Nasce assim uma frustração.

Claro que se você, considerando só sua individualidade, não se sente plana e feliz, vamos mudar isso, mas se o seu sentir-se mal é por não estar na média, resultado de comparações, vamos parar com isso, já.

Comece deixando sair a frase da sua boca para que seu ouvido receba, diga: Chega!

Ana Sou

Ana Sou

Faz parte da primeira geração de instrutores de Kemetic Yoga certificados no Brasil. Na yoga de base indiana, está em formação em Yin Yang Vinyasa (Edson Ramos) e Hatha Yoga (Arte de Viver). Também tem formação em Yoga Massagem Ayurvédica (Pune – Índia); e terapia de respiração Rebirthing (Renascimento).

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