Como lidar com filhos que mentem?
Entenda por que filhos mentem, como diferenciar fantasia de mentira e como lidar com empatia em cada fase da infância e adolescência.
Por Celia Lima
Diversos estudos mostram que pessoas de todas as idades mentem com frequência — alguns apontam duas vezes por dia, outros dizem que pode haver uma mentira a cada dez minutos de conversa. O fato é que filhos que mentem não são exceção, e esse comportamento precisa ser compreendido com empatia, não com punição.
Desde muito cedo, os pequenos já começam a experimentar estratégias para obter o que desejam — e a mentira, nesse contexto, faz parte do desenvolvimento cognitivo e emocional.
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Filhos mentem desde quando?
A partir dos seis meses, o bebê já é capaz de chorar apenas para chamar a atenção dos pais. Um choro verdadeiro diz que a criança está cansada, com dor, fome, se sentindo só ou desconfortável (com frio, calor ou precisando trocar as fraldas).
Quando tudo está dentro do estado de normalidade, o bebê usa o choro como estratégia para chamar a atenção.
Mas como identificar esse choro falso? Os pais logo percebem, quando o choro vem acompanhado de pequenas pausas, momentos em que a criança está verificando se a estratégia funcionou.
Não se pode dizer que se trata de uma mentira consciente. Mas são sinais da percepção do bebê saber que o choro funciona já que é sua única maneira de expressar uma insatisfação ou fazer uma reivindicação.
E, assim, conforme o tempo passa, a criança vai aprendendo a mentir e isso demonstra o desenvolvimento cognitivo dos pequenos. Na verdade, só não são capazes de mentir crianças que têm algum déficit de desenvolvimento (*).
Sabe-se que as crianças começam a mentir a partir dos dois anos de idade ou mesmo antes disso. Quando ainda não sabem falar, o fazem através de gestos e linguagem corporal, como quando o adulto pergunta “Quem jogou isso no chão?” e ela aponta para o gatinho.
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Mentira ou fantasia?
É importante não confundir mentira com fantasias. As fantasias são saudáveis, incentivam a criatividade e a imaginação e estão no mundo do faz de conta.
Até os cinco ou seis anos de idade, a criança mistura fantasia e realidade, ainda não existe um corte preciso entre uma e outra situação.
Nesse momento ela já ouviu muitas histórias, sua imaginação é estimulada frequentemente pelos contos de fadas, desenhos animados, filmes apropriados.
Misturar fantasia e realidade pode soar como mentira quando uma criança conta que voou quando subiu as escadas e é capaz de jurar que isso aconteceu mesmo porque sua percepção/fantasia lhe diz isso.
As crianças dessa faixa etária e até as um pouco maiores, se perdem no que acreditamos ser brincadeiras solitárias, mas na verdade é o exercício da imaginação a serviço de seu desenvolvimento que está ativo.
São fantasias heroicas com personagens reais ou não – e é através dessas fantasias que a criança, muitas vezes, elabora seus medos e angústias.
É na fantasia que ela se refugia enquanto não consegue expressar em palavras o que está sentindo: “sou um tigre enorme que vai atacar e matar você”, “estou invisível, ninguém pode me ver nem me escutar”, “fiquei bem pequenininho e a professora não conseguiu me encontrar”.
Esteja atento
Claro que não se tratam de mentiras, mas os adultos devem ter a sensibilidade de perceber que ser temporariamente um tigre dá poder de defesa a essa criança, tanto quanto ficar invisível ou bem pequenininho.
O acolhimento é fundamental para que ela se sinta protegida ao invés de lhe dizer que nada disso é verdade. Essa fase passa e, gradativamente, a criança começa a dominar seus medos.
Mas é sempre importante que ela sinta a confiança de poder se aninhar em braços seguros enquanto essa transição se opera naturalmente.
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Por que crianças e adolescentes mentem?
As crianças mentem quando percebem que podem obter alguma vantagem ou para se livrar de uma bronca ou castigo.
A partir dos quatro anos elas já têm condições de compreender quando uma mentira causa prejuízo a alguém e quando não tem maiores consequências.
As crianças se sentem autorizadas a mentir quando ouvem os pais mentindo, dando uma desculpa qualquer ao telefone para evitar um encontro, por exemplo, ou quando são orientadas a pequenas mentiras, ainda que sejam as socialmente aceitas: “Não diga que não gostou do brinquedo que a titia deu, ela vai ficar triste…”.
E, assim, as mentiras vão fazendo parte de um quadro de desenvolvimento que envolve muitos aprendizados, desde a elaboração mais sofisticada do raciocínio até as regras dos jogos sociais.
Todavia, existem as mentiras que provocam a quebra da confiança nos relacionamentos e as que prejudicam outras pessoas.
Como lidar com filhos que mentem sem punir
Na infância
Com relação às crianças, o mais adequado é não confrontá-las ou acusá-las.
Se a mãe pergunta em tom acusatório “Por que você pegou o lápis do seu amigo?”, ela está correndo o risco de ouvir uma mentira para evitar a punição: “Eu não peguei, ele me deu!”.
Melhor explicar gentilmente porque não se deve pegar o que não é seu, o que vai dar à criança um senso de moralidade e justiça. É sempre mais saudável conversar do que punir. Punir só vai incentivar outras mentiras justamente para evitar a punição.
As mentiras surgem também quando as crianças não querem decepcionar as pessoas importantes para ela.
Muitas vezes o nível de expectativa com relação ao “filho perfeito” é tão alto por parte dos pais, que se um filho perde um livro ou deixa um objeto cair na água e o estraga, a tendência da criança será inventar uma mentira para não decepcionar os pais.
Muitas chegam a ficar angustiadas, silenciam e podem até mesmo querer se punir rejeitando brincadeiras e contato com os amigos por acreditarem que não merecem essas felicidades já que irão proporcionar a tristeza dos pais por não terem sido atentas o bastante.
Os caminhos que levam à mentira são, por vezes, muito sutis. É preciso que os pais também estejam atentos a eles mesmos.
Na adolescência
Os adolescentes estarão dispostos a negociar com os pais quanto mais estes estiverem dispostos a ouvir seus argumentos.
Ser razoável com o filho numa solicitação pode evitar muitas mentiras e acaba por desenvolver no adolescente um senso de responsabilidade no cumprimento dos acordos.
Mas é sempre possível que uma ou outra mentira surja até mesmo por preguiça de negociar.
Ter certeza de que o adolescente mentiu, ainda assim não nos autoriza a acusações frontais, porque a medição de forças é própria dessa fase.
E a agressividade ou contundência das afirmações acabam desembocando em discussões estéreis, desrespeito de ambas as partes e mágoas que se acumulam em função de prováveis sentimentos de injustiça.
Fake news e mentiras inconsequentes
As redes sociais, por exemplo, são um campo fértil para a disseminação de mentiras. O sucesso da série Adolescência nos mostra cruelmente até onde a busca por aceitação nas nas redes e grupos de amigos pode levar.
Muitas vezes, na ânsia de se sentir aceito, o adolescente cede à tentação de inventar uma história, seja com relação a um colega de classe, um professor ou mesmo a uma figura pública. Então, acaba por fazer das mentiras uma forma de alcançar a visibilidade que acredita não ser possível de outra forma.
Criar perfis falsos fazendo acreditar que o adolescente é quem de fato não é e usar fotos que não são suas sinalizam que a autoestima dessa pessoa está fortemente comprometida.
Portanto, ele precisa de uma atenção mais cuidadosa, já que nesses casos a mentira passa a ser consequência de algo muito mais profundo e delicado.
O diálogo no lar deve sempre pontuar as consequências da mentira ao invés de vir acompanhado de acusações e rotulações que vão constranger ao invés de fortalecer os vínculos.
Como desenvolver a confiança
Uma forma de desenvolver essa confiança mútua é a troca de experiências. Os filhos adoram ouvir as histórias de seus pais, do que fizeram, das tantas vezes que uma experiência deu errado e de como foram inconsequentes na juventude caso tenham sido.
Tentar manter a imagem da perfeição é inútil, pois nessa fase os filhos estão suficientemente amadurecidos para perceber que eles são aconselhados a não fazer coisas que os próprios pais fazem.
Na adolescência os filhos estão aptos a refletir na companhia dos pais e ambos podem encontrar soluções adequadas para os conflitos, evitando que eles se percam em mentiras para conquistar seus objetivos.
👉 Leia aqui: Como série Adolescência expõe as complexidades da condição humana
Quando a mentira é prejudicial?
A mentira prejudica quem mente quando se torna frequente, quando não se acredita que a verdade basta para justificar uma atitude. E sabemos que uma mentira vai precisar de tantas outras para confirmar a primeira, gerando uma história desnecessária e provavelmente repleta de consequências nefastas.
E, obviamente, uma mentira pode comprometer a vida de pessoas que são alvo das mentiras. Como comentado acima, a proliferação das “fake news” acaba manchando a reputação de pessoas inocentes, comprometendo suas honras, destruindo suas vidas.
Por outro lado, outras notícias mentirosas amenizam verdades monstruosas, deixando as pessoas perdidas e desconfiadas com tantas informações que são frutos de mentiras.
Quando isso se dá envolvendo pessoas públicas, o desmentido também alcança grande número de pessoas, o que não quer dizer que o mal já não esteja feito. Todavia, a mentira nos círculos sociais mais íntimos provoca a mesma destruição e desestabilização nas relações.
Mentiras que implicam em consequências mais graves estão no patamar da calúnia e são consideradas crime.
Construindo vínculos baseados na confiança
Mas normalmente o que ocorre é que mentimos para sermos gentis, para evitar explicações demoradas, para proteger nossa intimidade, para não magoar as pessoas, para nos livrarmos de alguma situação nefasta ou mesmo para obtermos a simpatia de alguém ou de um grupo.
Sem dúvida, é desde a infância que se constroem os valores humanos, as relações de confiança e o respeito às normas sociais.
Observar o desenvolvimento natural das crianças e compreender suas fases de amadurecimento é um grande passo para que elas cresçam emocionalmente saudáveis, capazes de encontrar soluções criativas e éticas para os impasses da vida.
* Confira informações sobre o estudo da Dra Victoria Talwar, da Universidade McGill, de Montreal, sobre a capacidade das crianças para mentir (em inglês)
Psicoterapeuta holística com abordagem junguiana há mais de 30 anos e estudiosa de Psicologia da Saúde e Hospitalar. Utiliza os florais, entre outras ferramentas, como método de apoio ao processo terapêutico, como vivências xamânicas, buscando um pilar metafísico para uma compreensão mais ampla da vida, da saúde física e emocional.
Saiba mais sobre mim- Contato: celiacalima@gmail.com