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A arte de dividir-se em muitas

Como mãe, a mulher descobre uma outra forma de lidar com o tempo

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Nunca esqueço o comentário de uma amiga ao ver uma foto minha com aquele barrigão de nove meses: “Nossa, você está com a cara típica de grávida de primeira viagem!” Eu quis saber como era, e ela emendou a seguinte gentileza: “É cara de abobada. Feliz da vida, sem ter a menor noção do que te espera…”.

Admito que a minha amiga tinha alguma razão: eu era uma grávida meio boboca e até imaginava um certo tumulto acontecendo na minha vida a partir da maternidade. Mas há, para todas nós, um imenso detalhe que se apresenta somente na última hora, como alguém não convidado na festa: o próprio tempo. É impossível – se é que existe algo impossível mesmo – calcular o tempo das mães com a cabeça de uma “não mãe”.

É impossível – se é que existe algo impossível mesmo – calcular o tempo das mães com a cabeça de uma “não mãe”.

Mesmo que você já tenha útero de mãe, seios de mãe e até aquelas pantufas que o enxoval sugere e a gente acaba comprando por medo de ficar sem leite se usar chinelos pink de borracha no hospital, se você ainda não deu à luz, seus dias ainda podem ser divididos em horas, minutos e segundos “convencionais”. Já após o parto, o relógio se quebra em mil partículas subjetivas, a ponto de você se questionar por que mesmo está guardando o rolo de papel higiênico, apressadamente, às 3h da manhã… na geladeira!

Quando vi meu tempo convencional se quebrar ao se transformar em tempo de mãe, só tive uma saída: quebrar junto.

Aos 20 anos, o pior projeto que eu poderia ter para a minha vida adulta era virar uma criatura quebradiça; aos 30, porém, aprendi que o melhor jeito de ser alguém é caber em qualquer cantinho. Um discurso não cabe em qualquer cantinho. Um gesto, sim. Na educação dos filhos ou na atuação profissional, qual dos dois importa mais? Quebre-se quem puder.

Alguns meses atrás, pouco antes da minha filha completar três anos, a babá que tomava conta dela teve que pedir demissão – e eu me quebrei um pouco, inconsolável com a perda da profissional querida que circulava pela nossa casa como se fosse alguém da família. Nos quatro meses que se seguiram, entrevistei, testei e dispensei três ou quatro candidatas que não deram certo, e acabei me quebrando outra vez ao assumir o papel de mãe 24h por dia, sem deixar de trabalhar, estudar e… confesso que larguei a ginástica e quebrei uma coisinha que não deveria: a dieta.

Sempre ouço dizer que as mulheres modernas se multiplicam para dar conta de todas as tarefas indispensáveis – casa, trabalho, filhos, romance, estética etc. Pode ser uma simples diferença no modo de ver as coisas, mas o que sinto na pele não é uma multiplicação, e sim uma divisão. E pensar assim me deixa menos paranoica, já que fracionar implica em saber que haverá perdas. Além disso, a arte de se dividir requer uma habilidade para selecionar o que realmente é indispensável, sem perder tempo com falsas importâncias

a arte de se dividir requer uma habilidade para selecionar o que realmente é indispensável, sem perder tempo com falsas importâncias

que acabariam se revelando tão úteis quanto a poeira acumulada nos dias…

Em tempo: escrevo enquanto minha filha brinca no quarto ao lado com a nova babá, já devidamente adaptada. Em menos de cinco minutos, ela já determinou: “agora eu sou a mamãe”, “agora eu sou a filhinha”, “agora eu sou o motorista” e “agora eu vou botar você de castigo”… Algumas mulheres aprendem desde cedo a grande arte de caber em qualquer cantinho.

Bíbi Da Pieve

Bíbi Da Pieve

Bíbi Da Pieve é mãe e quebra seu tempo em pedaços - nem sempre regulares! - atuando como cantora, compositora e escritora, além de manter o blog Leve um Casaquinho! (http://www.leveumcasaquinho.blogspot.com)

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